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segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil colonial.
Marcilio, M.L. (1997). A roda dos expostos e a criança abandonada no Brasil colonial: 1726-1950. Em: Freitas. M. (Org.). História Social da Infância no Brasil. São Paulo: Cortez.

A roda dos expostos é um dispositivo com origem medieval e italiana. Inicialmente utilizada para manter o máximo de isolamento dos monges reclusos, é posteriormente adotada também para preservar o anonimato, mas agora daqueles que depositam nela bebês enjeitados.
    No Brasil, o acolhimento de órfãos através da roda se estabelece no século XVIII e segue a tradição ibérica, segundo a qual caberia a Santa Casa de Misericórdia o monopólio da assistência à infância abandonada contando, todavia, com o auxílio da respectiva Câmara Municipal. Desde então, podemos observar recorrentes tensões entre a entidade religiosa e o poder local, principalmente pela obrigação pública de contribuir financeiramente para a manutenção da Santa Casa.
    Uma vez recebida pela Misericórdia, a criança seria criada por uma ama-de-leite geralmente até os três anos. As amas, mulheres pobres e na maioria sem nenhuma instrução, recebiam um pagamento pelos serviços prestados o que podia prolongar o período de permanência dos pequenos, caso a Casa tivesse condições de pagá-la durante esse tempo. Além disso, essa situação dava margem para diversos tipos de fraudes, como mães que abandonavam seus bebês e logo em seguida se ofereciam como nutrizes. Por falta de recursos, a instituição procurava logo empregar os órfãos, tanto como aprendizes no caso dos meninos ( nas Companhias de Marinheiros ou no Arsenal de Guerra, nos quais conviviam com presos e degredados num brusca inserção no mundo do trabalho) e como domésticas no das meninas.
    Em 1828, a promulgação da Lei dos Municípios, que isenta a responsabilidade da Câmara para com os pequenos abandonados nas províncias onde houvesse uma Santa Casa de Misericórdia que assumisse a tarefa, vai significar uma das etapas de um processo de transformação do caráter caritativo da assistência para uma perspectiva mais filantrópica, com maior intervenção do Estado. É importante lembrar que as concepções de público e privado são assimiladas historicamente pelo imaginário social, dessa forma o que pertence ao âmbito restrito do público ou do privado permeia as discussões e ideologias de todo o século XIX. O que é atribuição exclusiva de um e não de outro é uma questão flexibilizada e difícil de responder nessa época.
    É também durante o século XIX que a medicina social ganha maior poder político e respaldo social através da crescente intervenção dos higienistas com suas inúmeras críticas à estrutura urbana e moral a sua volta. No que concerne a Casa dos Expostos, apontavam principalmente as altas taxas de mortalidade e a dinâmica da ama-de-leite, contando com o poder jurídico, que já esboçava outros meios de intervenção, mais corretiva e moralizante. Inicia-se então uma fase filantrópica assistencialista que pensa a educação "moralizante" das crianças como meio fundamental de torná-las úteis e de resguardar a própria sociedade. Na verdade, filantropia e caridade se permeiam, adquirindo características mútuas: de um lado as estratégias filantrópicas de prevenção da desordem e de outro, os preceitos religiosos da caridade.

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